Sem regras claras para definir "acidente de trânsito grave", começa a valer nacionalmente daqui a duas semanas, em 1º de julho, uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que prevê a suspensão da Carteira de Habilitação (CNH) e exames de reciclagem obrigatórios para os motoristas nesses casos. Os procedimentos já constavam do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) desde 1998. Em São Paulo , conforme o Detran, a medida atingirá tanto envolvidos em acidentes com vítimas quanto envolvidos em acidentes que causem dano à ordem pública.
A resolução, de número 300, ratifica o artigo 160 do CTB e deixa claro que os condutores que forem condenados na Justiça farão automaticamente a reciclagem. Ela será igual ao processo para tirar a CNH pela primeira vez, com exame médico, psicotécnico e provas escrita e de direção prática, na rua. Em outra seção, o texto também estabelece que motoristas "envolvidos em acidentes graves" poderão receber das autoridades de trânsito a determinação para fazer o mesmo processo de reciclagem. "Definir o que é ou não um acidente grave ficará a critério da autoridade de trânsito", explica Cyro Vidal, um dos autores do Código.
Para os "envolvidos" será aberto um processo administrativo no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), que pode correr paralelamente ou não a uma possível ação judicial. Nessa instância administrativa, o motorista tem chance de apresentar defesa. A reciclagem será feita apenas se os argumentos não forem aceitos.
Entre os "envolvidos" a que se refere a resolução podem estar motoristas inocentes, sem culpa direta, mas participantes do acidente. A justificativa é de que eles podem, por exemplo, sofrer sequelas psicológicas que prejudiquem dirigir. "A resolução prevê esses casos, ela é clara, fala em envolvidos", diz Vidal. Assim, vítimas inocentes também poderiam, a critério das autoridades, passar por um ou mais exames, principalmente o psicológico. Nota oficial enviada ontem pelo Detran paulista adianta que "a autoridade de trânsito (...) determinará a necessidade ou não de submeter o condutor a exames, já que muitas vezes, mesmo sendo vítima, o motorista é acometido de trauma psicológico que afeta sua capacidade para a condução".
Para o diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Alberto Sabbag, as regras são positivas por garantir ao motorista a própria segurança, quando ele é obrigado a passar pelo processo de habilitação novamente, nos campos médico, psicológico, teórico e prático. "Se o motorista causou acidente grave, algum desses pontos, exigidos quando ele se habilitou, falhou."
O Detran-SP ainda informou que já cumpre o estabelecido no CTB, avaliando os motoristas que passam por acidentes graves e determinando a necessidade de reciclagem. De acordo com o órgão, no ano passado 135 condutores tiveram de fazer reciclagem no Estado. Neste ano, foram 94.
Tire as dúvidas
O que a Resolução 300 do Contran estabelece?
Que deverá ser avaliada a aptidão física, mental e psicológica, além da forma de dirigir, do condutor condenado por delito de trânsito ou envolvido em acidente grave, para que ele possa voltar a dirigir. Enquanto isso, a habilitação fica suspensa. A resolução ratifica a aplicação obrigatória do artigo 160 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê as mesmas regras há 11 anos
Quando a portaria começa a valer?
Em 1.º de julho, em todo o País
Quem terá de fazer os exames novamente?
Quem for condenado por crime de trânsito fará automaticamente. Mas a Resolução 300 fala também na reciclagem para "envolvidos em acidentes graves", embora não deixe claro se esses envolvidos são apenas os culpados diretos pelos acidentes ou também os inocentes (vítimas de outros motoristas).
Então uma vítima também poderá terá de fazer a reciclagem?
Em tese, segundo especialistas, sim. Mas ficará a critério das autoridades, dependendo do acidente. O motorista que tiver o veículo atingido por outro em alta velocidade, por exemplo, poderá sofrer sequelas psicológicas que obriguem a reciclagem, mesmo não tendo culpa direta.
Haverá chance de defesa?
Sim, em todos os casos. Os motoristas que sofrerem processo judicial poderão se defender ao longo dele - farão os exames apenas se condenados. Já os envolvidos em acidentes (que podem ou não sofrer processo na Justiça) primeiramente passarão por processo administrativo, nos órgãos de trânsito. Nesse processo, é garantida ampla chance de defesa. Caso os argumentos não sejam aceitos é que os exames de reciclagem terão de ser realizados novamente.
Quais são as ocorrências consideradas "acidentes graves", que obrigarão a reciclagem?
Isso também não está claro na Resolução 300. Ficará, segundo os órgãos de trânsito, a critério subjetivo das autoridades (órgãos municipais, PM, Detrans) determinar o que é ou não uma ocorrência grave. O Detran paulista adota, para classificar um acidente como "grave", dois critérios: existência de vítimas e danos à ordem pública.
Que exemplo pode ser dado de dano para a ordem pública?
Imagine um caminhão que bate em uma ponte da Marginal do Tietê. Apesar de não envolver feridos, tal acidente prejudica toda a cidade e, por isso, esse motorista deve obrigatoriamente ser penalizado por meio da Resolução 300.
Quais exames terão de ser realizados por essa resolução?
Os mesmos feitos quando se tira a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) pela primeira vez: aptidão física e mental; psicológico/psicotécnico; escrito, sobre legislação de trânsito, e de direção veicular (prova prática). Os exames médico e psicológico deverão ser feitos em clínicas a serem indicadas por uma autoridade de trânsito. Dependendo do caso, pode ser determinada a dispensa de um ou mais exames.
Quanto custam os exames?
O psicotécnico "especial", categoria a ser aplicada, custa R$ 61,02. Os exames médicos custam R$ 52,31 nas clínicas. Marcar a prova teórica custa mais R$ 43,59. E, se necessário o exame prático, na rua, o motorista deve recolher mais R$ 26,15
Fonte: O Estado de S. Paulo
16/6/2009