O assédio moral, mesmo persistindo desde tempos remotos, é matéria que não encontra na legislação específica dispositivo capaz de coibir esta prática, ainda nos dias de hoje. O estudo de tal matéria se faz necessário ante a importância para o Direito.
1. INTRODUÇÃO
A configuração do assédio moral, embora existente desde tempos remotos, tem enfoque doutrinário recente para o direito brasileiro e ainda não possui legislação específica no ordenamento jurídico. Caracterizar uma situação como sendo de assédio moral implica estabelecer seu conceito, analisar o contexto em que ocorreu e estabelecer elo entre a conduta agressora e o dano psíquico-emocional.
Recentemente o assédio moral vem sendo estudado pela doutrina, ante sua carência por leis específicas, porém a interpretação por analogia de alguns dispositivos do Direito Civil e a observância de princípios fundamentais aduzem pela consideração do assédio moral como sendo um dos motivos de rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo a vítima direito à indenização pelo dano psíquico-emocional sofrido. A comunidade jurídica se movimenta para consolidar os estudos a fim de diagnosticar e coibir esta prática, bem como amparar àqueles que sofrem com a agressão.
Difundir o estudo e os debates acerca de tão importante tema é de extrema importância não só para o Direto do Trabalho, como para todos os ramos do Direito.
2. ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
Para que se possa entender o que é o assédio moral, recorre-se ao léxico para daí extrair-se a definição de assédio que é, na acepção da palavra, uma “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém” (HOUAISS, 2007).
Porém o conceito de assédio moral, figura recente, porém muito importante no Direito do Trabalho, se situa além da simples ocorrência de perseguição ou pretensões constantes, e é tido como:
Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (HIRYGOYEN, 2001, apud AGUIAR, 2006, p.27).
No contrato de trabalho, as relações interpessoais criadas entre empregadores e empregados, muitas vezes impossibilitam a harmonia no ambiente de trabalho. Assim algumas condutas dos empregadores podem gerar dano à personalidade, à dignidade e à honra do empregado, o que no Direito Trabalhista se dá o nome de assédio moral.
Nota-se, nas condutas assediadoras, uma semelhança desta com a figura da discriminação, pois pode revelar a não aceitação das diferenças existentes entre os seres humanos, diferenças estas que devem ser superadas para que se possa alcançar o bem-estar social. Assim o desrespeito à estas diferenças pode ensejar o assédio moral, como bem ensina Hirigoyen (2002, apud RUFINO, 2006, p.43):
O assédio moral começa freqüentemente pela recusa de uma diferença. Ela se manifesta por um comportamento no limite da discriminação – propostas sexistas para desencorajar uma mulher a aceitar uma função tipicamente masculina, brincadeiras grosseiras a respeito de um homossexual... Provavelmente, da discriminação chegou-se ao assédio moral, mais sutil e menos identificável, a fim de não correr o risco de receber uma sanção. Quando a recusa se origina de um grupo, para ele é difícil aceitar alguém que pensa ou age de forma diferente ou que tem espírito crítico.
2.1. A CONDUTA DO AGRESSOR
A conduta é componente essencial para constatação do assédio moral, pois é em decorrência dela que se constatará a existência de dano a direito da personalidade da vítima, ou seja, para que se configure o assédio moral é necessário que se verifique conduta capaz de ferir direito subjetivo, patrimônio moral do indivíduo, lesão a honra e intimidade do empregado.
Assim o empregador utiliza-se de um mecanismo engendrado de destruição moral da vítima, expondo-a a situações vexatórias e humilhantes, escondendo-se atrás de supostos conselhos para situar a vítima como sendo a causadora de da situação vexatória. Assim para Hirigoyen (2001, apud AGUIAR, 2006, p.49):
o perverso tenta levar sua vítima a agir contra ele para denunciá-la a seguir como “má”. O que importa é que a vítima pareça responsável pelo que acontece. O agressor serve-se de falha do outro – um tendência depressiva, histérica ou uma falha de personalidade – para caricaturá-la e levá-la a descrer de si mesma. Induzir o outro ao erro permite criticá-lo e rebaixá-lo, mas, acima de tudo, dá-lhe uma imagem negativa de si mesmo e reforça assim sua culpa.
Para o empregado é instalado um estado de submissão ideológica, onde agressor incute na vítima o pensamento de que não é qualificada, que seus valores não se encaixam ao perfil da empresa, que seus préstimos são dispensáveis, ou seja, que nada pode contribuir, como bem explicita Marie-France Hirigoyen:
O medo gera condutas de obediência, ou mesmo de submissão, por parte da pessoa visada, mas também por parte dos colegas que deixam que tal aconteça, que não querem ver o que se passa em torno deles. É o que dá no atual reinado do individualismo, do “cada um por si”. Quem está em torno teme, caso se mostre solidário, ser estigmatizado e ver-se jogado na próxima onda de demissões. Em uma empresa, não se pode levantar ondas. É preciso vestir a camisa da firma e não se mostrar demasiado diferente. (HIRIGOYEN 2001, apud AGUIAR, 2006, p.41).
Porém é necessário tomar muito cuidado, quando da observação de uma conduta, para verificação da ocorrência do assédio moral. Uma conduta esporádica, ocasionada por um descontrole ao qual qualquer ser humano está sujeito, pode provocar lesão a direito alheio, porém alguns elementos devem ser analisados, como por exemplo, se a conduta efetivamente visava humilhar e expor a vítima à situação vexatória, como se entende Rufino (2006, p.45):
[...] a importância da aplicação do princípio da proporcionalidade, para que não seja considerado assédio, qualquer descontrole comportamental do ofensor, pois os humanos são passíveis de erros e descontroles, extrapolando, mesmo que minimamente, seu direito e invadindo o de outrem. Todavia, somente as condutas efetivamente vexatórias e graves, se configurarão como assédio.
2.2. A CARACTERIZAÇÃO DO DANO
A agressão causada pelo assediador à vítima fere o direito à personalidade, como já visto, causa, portanto, dano psíquico-emocional, dano este de natureza subjetiva, este que, “[...] altera o comportamento, agrava doenças pré-existentes ou desencadeia novas doenças podendo, inclusive, culminar no suicídio” (BARRETO, 2002, apud AGUIAR, 2006, p.51).
Para ocorrência da figura de assédio moral então, busca-se a configuração de dano subjetivo, dano este capaz atingir o indivíduo em sua intimidade, caracterizando o dano moral, que pode ser assim descrito:
Assim o atentado ao direito à honra e boa fama de alguém pode determinar prejuízos na órbita patrimonial do ofendido ou causar apenas sofrimento moral. A expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial”. (GOMES, 1976, apud CAHALI, 1998, pp. 19 e 20).
A definição dada pelo Código Civil Brasileiro ao ato ilícito ilustra o reconhecimento de condutas capazes de gerar dano, mesmo que somente a direito subjetivo, como se vê através do seu artigo 186, que assim estabelece: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Qualquer doença psíquica desencadeada por agressão, caracterizada pela reiteração da conduta, por espaço de tempo onde se instale o dano, no ambiente de trabalho, situa-se além da simples possibilidade de ocorrência de ofensa a direito personalíssimo. Indeniza-se o indivíduo, por ser vítima do assédio moral.
Faz-se imperioso que exista ofensa, como já visto, à direito personalíssimo, correndo-se o risco de não ver configurada situação pretendida, ou seja, sem que haja ofensa à direito personalíssimo, não há que se falar em assédio moral, muito menos a possibilidade de indenização. Assim para ocorrência de assédio moral, é necessário o reconhecimento de vários fatores.
Ressalte-se ainda que tal comportamento de agressão, que se manifesta de forma meticulosa e premeditada, torna o assédio moral o resultado de um elaborado processo e não de um ato eventual e esporádico que não tenha uma finalidade determinada (PAROSKI, 2007). Revela a perversidade do agressor por acometer a vítima a uma atitude engendrada, a uma série de atitudes conscientes, onde fica latente a presença do agressor como se seu único objetivo fosse a destituição da vítima na relação laboral. A atitude do agressor foge da finalidade e do objeto do contrato de trabalho, pois desrespeita nitidamente os direitos que tal relação deve guardar.
Nota-se, no entanto, que não é qualquer ocorrência de dano, capaz de embasar reparação por ocorrência de assédio moral, deve existir o dano psíquico-emocional, representado por doenças psíquicas como depressão, ansiedade, angústia, que podem ser comprovadas através de laudo médico, como leciona Sonia Nascimento Mascaro (2006, p.24 a 25), pois: “[...] nem todo dano à personalidade configura o assédio moral”. Este é mais que mera lesão a direito personalíssimo, deve haver por trás deste mascarada, a finalidade do agressor que toma esta conduta, além de ser constatada a instalação do dano psíquico-emocional. Daí enseja-se a possibilidade de laudo médico para a comprovação da existência do dano.
2.3. NEXO ENTRE CONDUTA E DANO
A discussão trazida à tona é de fundamental importância para todos os ramos do Direito, pois visa estabelecer vínculo entre os problemas psíquicos encontrados hodiernamente em virtude de uma relação de trabalho desvirtuada, e a “[...] novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e na abordagem que tenta estabelecer o nexo-causal com a organização do trabalho e tratá-lo como não inerente ao trabalho” (RUFINO, 2006, p.43).
Ou seja, reconhecer esta ligação entre a conduta agressora e o dano sofrido constitui contribuição muito importante da Justiça do Trabalho ao Direito. É de extrema relevância estabelecer esta ligação lógica entre a conduta e o resultado lesivo, ou o assédio moral, onde a conduta é a agressão vexatória e humilhante, repetitiva e prolongada e o resultado é o dano psíquico-emocional, porém o que faz comprovar que tal conduta gerou o dano advindo da relação de trabalho, surgindo o assédio moral, não é um elemento objetivo, e sim subjetivo, a vítima se vê lesada em sua dignidade e honra caracteres caráter subjetivos do indivíduo.
2.4. FINALIDADE DA CONDUTA
O empregador, que adota uma conduta assediadora, busca expor seu empregado a situações humilhantes e vexatórias, fazendo diminuir sua auto-estima, vindo até mesmo se afastar da relação de trabalho. Pode intentar, com esta atitude, esquivar-se das obrigações trabalhistas próprias da dispensa direta, pois estimulam os empregados a findarem o contrato de trabalho. Ao que opina Adriana Vieira de Castro (2007) afirmando que:
[...] o assédio moral tem por escopo a exclusão da vítima do mundo do trabalho, criando-se uma situação que obrigue a extinção do contrato de trabalho por decisão do próprio empregado, o que desobriga o empregador de arcar com suas obrigações previstas na Consolidação das Leis do Trabalho.
O assédio moral pode ser entendido quanto à sua finalidade, como uma conduta que visa perseguir a vítima, objetiva humilhá-la, feri-la no que se considera direito fundamental, atingir sua intimidade e expô-la a situações humilhantes, e para tanto se elege o mais perverso meio para execução desta atitude, que demonstra ser vingança pessoal, às quais se submete a vítima por diversos fatores, como o desemprego, por exemplo, podendo demonstrar ainda a esquiva do empregador às obrigações resultantes do rompimento do contrato de trabalho de sua parte.
3. A RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO POR OCORRÊNCIA DE ASSÉDIO MORAL
A rescisão indireta do contrato de trabalho é o fato que finda a relação trabalhista, resolve o contrato de trabalho, caracterizada pela culpa exclusiva do empregador, ou seja, a “[...] rescisão indireta ou dispensa indireta é a forma de cessação do contrato de trabalho por decisão do empregado em virtude da justa causa praticada pelo empregador (art.483 da CLT)” (MARTINS, 2001, p.334).
A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art. 483, elenca um rol exemplificativo de situações capazes de ensejar a rescisão indireta das quais se pode destacar: “Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”.
O respeito mútuo, além de socialmente necessário, é algo que deve ser cumprido pelas partes contratantes, pois:
[...] a obrigação contratual do empregador de respeitar os direitos trabalhistas, além da personalidade moral de seu empregado e os direitos relativos à sua dignidade, e vice-versa, cuja violação implicaria na infração dos ditames contratuais e das leis trabalhistas, ensejando o direito do empregado à indenização correspondente, além da legitimação do direito obreiro de resistência, que se consuma com a recusa ao cumprimento de ordens ilícitas (RUFINO, 2006, p.35).
Assim, pelo contrato de trabalho, cria-se uma subordinação do empregado em relação ao empregador, porém esta subordinação não representa submissão a todas e quaisquer ordens do empregador, mas somente aquelas que se fizerem necessárias a perfeita prestação laboral, como se vê pelo julgado:
A subordinação no contrato de trabalho diz respeito à atividade laborativa e, assim, não implica submissão da personalidade e dignidade do empregado em fae do poder patronal”. (Proc TRT/15ª Reg. N. 01711-2001-111-15-00-0 RO (20534/2002-RO-2). Recorrente: Comercial Seller Ltda., Recorrido: Luciano Leandro de Almeida. Juíza Rel. Mariane Khayat F. do Nascimento) (RUFINO, 2006, p.58).
Os excessos cometidos pelo empregador podem ensejar a ocorrência de ato ilícito, como se verifica no Art. 187, do Código Civil Brasileiro: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Martins (2001, p.334) ensina que uma falta grave causada pelo empregador enseja a rescisão do contrato de trabalho de forma indireta. Assim, não existe dispensa do empregado, pois este é que decide por termo ao contrato de trabalho, em virtude da falta cometida por empregador contra si, vindo a ajuizar ação na Justiça do Trabalho para ter seu direito atendido.
Salienta ainda citado autor, que tal falta é de gravidade extremada, pois motivo o empregado a romper o contrato de trabalho, como assim ensina:
A irregularidade cometida pelo empregador deve ser de tal monta que abale ou torne impossível a continuidade do contrato. Se o empregado tolera repetidamente pequenas infrações cometidas pelo empregador, não se poderá falar em rescisão indireta, devendo o juiz preservar a relação de emprego, pois, principalmente em épocas de crise, é difícil conseguir nova colocação no mercado de trabalho (MARTINS, 2001, p.336).
O dano causado pelo assédio moral, portanto poderia ser inserido pelo legislador no rol das hipóteses do artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, pois também revela capacidade de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, para que se possa dar maior segurança aos trabalhadores na busca de seu bem-estar, como ressalta Rufino (2006, p.27):
Atualmente, não se fala, somente na proteção da jornada de trabalho, do salário e demais direitos materiais trabalhistas. Luta-se, outrossim, pela proteção dos direitos à personalidade do trabalhador, por uma maior liberdade de trabalho, pela satisfação do empregado no ambiente do trabalho, direitos estes não previstos expressamente na legislação especializada (Consolidação das Leis do Trabalho), porém, reconhecidos em outras normas aplicáveis, e imprescindíveis à valorização do trabalho humano.
A proteção do bem-estar do trabalhador, nada mais é que a plena eficiência dos princípios contidos na Constituição Federal do Brasil, de igualdade e de inviolabilidade da honra, contidos nos incisos III, V e X do artigo 5º.
Porém, para a proteção de direitos dos empregados, não existe nenhuma lei no âmbito federal capaz de determinar sanção para esta prática, no entanto:
[...] a prática do assédio moral gera conseqüências jurídicas para o ofensor e, também, para a vítima, pois, muito inexista no âmbito trabalhista nacional uma lei específica sobre o fenômeno, o empregador deverá delimitar sua conduta em outras regras de proteção jurídica, que impõem o “dever-se” nesta relação, o qual, se violado, ensejará a respectiva sanção. (RUFINO, 2006, p.91)
E para efetivo cumprimento desta obrigação de dever ser, é que se deve fazer uso da analogia para que se possa estabelecer sanção, para evitar-ser esta conduta, o que entende o autor:
De tal modo, apesar de inexistir uma norma específica dispondo e identificando o assédio moral, suas conseqüências e sanções, deverão ser aplicadas outras normas por analogia, impondo ao empregador o cumprimento fiel à proteção jurídica de direitos dos trabalhadores, limitando sua conduta, com ditames trabalhistas, como a implicância da rescisão indireta, previstas na CLT [...]. (IDEM)
Estas condutas vexatórias combatidas em juízo demonstram amadurecimento do empregado de seu papel na relação de trabalho, onde o empregado deixa de se enquadrar como objeto e passa a ser parte da relação de trabalho, como elucida:
As causas trabalhistas, com pedidos de indenização por danos morais, refletem a não aceitação da subordinação imposta pelo empregador e podem ser interpretadas como sinal de resistência aos desmandos no local de trabalho, inclusive como reação à impunidade dos que praticam o assédio moral. (AGUIAR, 2006, p.82)
Porém deve-se reconhecer o esforço de empresas que criam canais de comunicação com seus empregados, tomam nitidamente postura a coibir a prática de assédio moral, e para tanto pode ver afastada a responsabilidade, como vemos:
[...] uma vez praticados mecanismos por parte do próprio proprietário da empresa, com amplas possibilidades de prevenção e repressão do assédio, essas medias devem afastar, ou, pelo menos, mitigar a responsabilidade do empregador pelo evento danoso. Porém, a ausência destas medidas poderá responsabilizar o empregador, não importando se o mesmo conhecia, ou não, a prática do assédio dentro da empresa. (RUFINO, 2006, p.103: “)
4. AS INDENIZAÇÕES POR ASSÉDIO MORAL
O contrato de trabalho então revela mais que uma necessidade da sociedade de regulamentar uma relação trabalho, visa salvaguardar valores e princípios constitucionais, transcende a forma de meio de materialização de uma relação jurídica, por onde se exterioriza a vontade das partes, para o nível de protetor de direitos fundamentais, ou seja, deve-se respeitar o contrato de trabalho, não somente por ele estabelecer uma relação jurídica, com garantias e obrigações estritamente ligadas ao ramo do Direito Trabalhista, mas sim porque esta relação irradia seus efeitos para todas as áreas, não somente tendo conseqüências na área do Direito Penal, Constitucional e Trabalhista, como também para área da saúde, como a psiquiatria, psicologia e medicina do trabalho que buscam garantir o bem-estar do indivíduo.
Assim a relação trabalhista visa também garantir valores e princípios que emanam do senso comum, e qualquer lesão a um desses princípios constitucionais, pode ensejar o pedido de indenização, como determina o Código Civil Brasileiro em seu artigo 927, deve indenizar aquele que cause dano a alguém, como vemos in verbis:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Ou seja, o ato ilícito causador de dano a outrem, independentemente de culpa, gera o dever de indenizar. Assim, o “[...] uso de um direito, poder ou coisa além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar”. (DINIZ, 2004, p.198).
Para que se configure o ato ilícito será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência [...]; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato [...]; e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente [...]. (DINIZ, 2004, pp. 196 e 197)
Assim, o dano moral causado deve ser reparado, e este conceito deve ser estendido aos casos onde haja prática de assédio moral, tendo encontrado este, respaldo na jurisprudência brasileira, para aplicação de sanção para coibir tal conduta.
O direito à indenização pela ocorrência de dano moral é facilmente entendido, pois se contempla que “[...] o dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada por ato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto de seu direito, repercutirá, necessariamente, em seu interesse” (DINIZ, 2003 apud RUFINO, 2006, pp.95 e 96).
Porém, como se trata de lesão à direito subjetivo, torna-se difícil sua valoração para fins de indenização. Mas, embora não seja fácil determiná-la, deve-se procurar parâmetros para sua aplicação, pois a indenização visa reparar o dano causado, como se vê:
A indenização deve ser proporcional ao dano causado pelo lesante, procurando cobri-lo em todos os seus aspectos, até onde suportarem as forças do patrimônio do devedor, apresentando-se para o lesado como uma compensação pelo prejuízo sofrido. (DINIZ, 2004, p.651)
Para se analisar e fixar indenização, deve-se observar vários fatores, como “[...] a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade e repercussão da ofensa, a intensidade do dolo ou da culpa, a situação econômica do ofensor e a extensão do prejuízo causado”. (BARROS, 1997, apud AGUIAR, 2006, p.83)
O aspecto da indenização se faz importante analisar, pois com o reconhecimento de existência de assédio moral, faz-se necessário buscar um instrumento capaz de minorar as ofensas sofridas. Conclui-se que a indenização “é a possibilidade de gerar a reparação dos danos patrimoniais e morais pelos gravames de ordem econômica (perda do emprego, despesas com médicos, psicólogos...) e na esfera da honra, da boa fama, do auto-respeito e da saúde psíquica e física, da auto-estima” (MENEZES, 2002, apud AGUIAR, 2006, p.83).
Enfim, caracterizado o dano e configurado o assédio moral, tem-se legalmente gerada a obrigação de reparação do dano pelo cometimento de ato ilícito e “O ato ilícito é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano patrimonial ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo (CC, art. 927)” (DINIZ, 2004, p.196).
5. CONCLUSÃO
Ante a falta de legislação específica para o reconhecimento do assédio moral na relação de emprego, a Justiça do Trabalho dá um passo importante no progresso da ciência jurídica. Mesmo carente de dispositivo específico, esta inova, trazendo a possibilidade de punição à prática advinda de tempos remotos, porém constatada à pouco pelo doutrina e combatida nos dias de hoje pelas recentes decisões dos Tribunais.
Destaca-se que o reconhecimento da ocorrência de tal conduta lesiva e a busca pela coação de tais práticas se mostra uma conquista para os trabalhadores, que mesmo não se comparando às que resultaram na própria Consolidação das Leis do Trabalho, se tornam, com a análise dos dias de hoje, muito importantes para o contrato de trabalho.
E vai além, o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho tendo como motivo o assédio moral, tem por finalidade a obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana. A Justiça do Trabalho, ao reconhecer esta lesão, ressalta o que preceitua a Carta Magna, trazendo benefícios aos trabalhadores, dignificando este tão importante princípio que, muito embora deva ser norteador das relações jurídicas, carece de efetividade. Ou seja, o Direito do Trabalho contribui aos demais ramos do Direito à medida que oferece uma medida eficaz para coerção de condutas lesivas a direitos personalíssimos, garantindo efetividade aos princípios e garantias fundamentais previstos Constituição Federal do Brasil.
Celso Teixeira Junior