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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Decreto da Previdência ignora visão multidisciplinar do PPRA

O decreto 6945, de 21 de agosto, da Presidência da República, tem movimentado os profissionais de SST. Isso porque no parágrafo sexto fala em um “programa de prevenção dos riscos ambientais e de doenças ocupacionais” elaborado e assinado exclusivamente por engenheiros de segurança em empresas que prestam serviços em tecnologia de informação e tecnologia de comunicação e informação, incluindo call centers. Apesar de contradizer a NR 9, foi assinado tanto pelo ministro do Trabalho quanto da Previdência. Mas isso deve ser revisto, segundo o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional, do Ministério da Previdência.

“O Item 9.3.1.1 da NR 9 estabelece que a elaboração, implementação, acompanhamento e avaliação do PPRA poderão ser feitas pelo Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) ou por pessoa ou equipe de pessoas que, a critério do empregador, sejam capazes de desenvolver o disposto nesta NR. Desta forma somos da opinião que o parágrafo 6º Alínea I do Decreto deve ser aperfeiçoado para estar de acordo com a NR vigente”, avalia o diretor de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional da Previdência, Remígio Todeschini.

O objetivo do decreto é estabelecer alguns critérios que possibilitem a efetiva redução de acidentes e doenças no trabalho e, consequentemente, a redução do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Por isso apresenta como uma das regras o próprio FAP. A outra seria realizar o programa de prevenção dos riscos ambientais e de doenças ocupacionais. No entanto, não cita a NR 9, que trata do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), nem a NR 7, que fala do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, o qual é responsável pela prevenção de doenças no trabalho.

Assim, atinge os profissionais, que não são engenheiros de segurança, e atuam em empresas conforme a NR 4 ou como consultores autônomos, pois não poderão elaborar o PPRA nos segmentos retratados pelo decreto. “Avalio como um passo dado às escuras e para trás. Às escuras porque não foi observada a legislação pertinente ao PPRA para se alterar ou revogar seu conteúdo. Para se ter uma ideia, nem o nome do programa foi utilizado corretamente, apesar de se tratar dele mesmo, do PPRA. Para piorar a situação, juntou-se o PPRA com o PCMSO, programas originariamente distintos e regidos por normas distintas”, diz o técnico de segurança e diretor técnico da CONSEG-SMS, Alejandro Rendon.

Já o Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho (DSST) ao ser consultado para esta reportagem não quis se manifestar. No entanto, quando concluía esta matéria, a redação de Proteção tomou conhecimento de que o DSST e a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) foram consultados a respeito do futuro decreto e emitiram uma Nota Técnica (n° 175, de 29 de junho de 2009) na qual se posicionaram contrários à aprovação do parágrafo 6°, incisos I a III. A parte do decreto criticada por eles refere-se ao fato de que a Previdência não cita as normas regulamentadoras, dá exclusividade aos engenheiros sobre o programa e menciona a necessidade de que ele seja homologado pelas SRTE’s.


Repercussões

No meio prevencionista, as manifestações contra o decreto logo começaram. Durante a Expo Proteção, o Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho de São Paulo (Sintesp) iniciou a coleta de assinaturas para um abaixo-assinado contra a nova lei. Foi feito então um manifesto por 25 sindicatos de técnicos de segurança do Brasil e pelas centrais - Força Sindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e União Geral dos Trabalhadores do Brasil (UGT). O documento critica o conflito legal por contradizer o estabelecido na NR 9 e pede que a norma seja considerada.

O material foi enviado à Casa Civil e aos ministérios que assinaram o decreto - Ciência e Tecnologia, Previdência e Trabalho. Outras ações estão sendo feitas como a busca de apoio das centrais sindicais, a articulação política com senadores, deputados e vereadores e uma carta aberta para a sociedade. Ainda se pretende buscar audiências com os ministérios e o presidente da república e impetrar ações judiciais contestando a legalidade do decreto.


FAP

Os técnicos de segurança não são contra o que o decreto 6945 estabelece em relação ao FAP, o que foi visto como positivo. “O problema foi colocarem a questão do PPRA. Outros setores podem se inspirar nisso. As empresas que contratam apenas o técnico de segurança, conforme a NR 4, precisarão de um engenheiro para assinar. O que trará um custo adicional. As que não precisam ter profissionais do SESMT ficarão limitadas a apenas um profissional. Quem perde são os trabalhadores porque estamos retrocedendo nas ações de SST. É preciso melhorar a qualidade dos serviços e não criar mais dificuldades para implementá-lo. Já o que o decreto diz sobre o FAP é bom”, avalia o presidente do Sintesp, Armando Henrique.

Em outras categorias profissionais as opiniões caminharam no mesmo sentido. “Uma forma mais otimista de ver o que foi decretado, refere-se à aplicação imediata do princípio do bônus malus, isto é, regulamentar a possibilidade da redução de tributos em função do desempenho no campo da Saúde e Segurança do Trabalho. Este princípio está em harmonia com a lei que trata do FAP”, avalia o médico do Trabalho René Mendes.


Multidisciplinar

No entanto, Mendes aponta como problema a menção de um programa de prevenção de riscos ambientais e de doenças ocupacionais, sem fazer qualquer referência à NR 9. “Ignorar a NR 9 não se justifica, especialmente para não melhorá-la, sobretudo por decreto, sem que haja a oportunidade da discussão prévia, tripartite, que norteia ou deveria nortear a discussão de políticas e normas do Trabalho. Um retrocesso inaceitável. Por último, mas não menos importante, é a atribuição que foi feita à responsabilidade profissional exclusiva ao Engenheiro de Segurança do Trabalho, atropelando brutalmente a NR 9.3.1.1, tão cara para a visão multiprofissional e multidisciplinar que norteou o processo de construção da norma”, completa o médico.

Não considerar a multidisciplinarida de foi uma questão negativa apontada por vários profissionais. “É realmente um retrocesso. Em países em que se privilegia a capacidade e o conhecimento não há essa reserva de mercado. O resultado será uma indústria da assinatura. O PPRA é multidisciplinar e exige conhecimento de várias áreas”, acredita o higienista Marcos Domingos.

“O decreto traz imprecisões essenciais e coloca em grave risco a integridade física e a vida dos próprios trabalhadores. Isso porque, apesar da capacitação dos engenheiros de Segurança do Trabalho, eles não detêm toda a gama de conhecimentos técnicos e científicos de outras profissões, conhecimentos esses necessários para a elaboração dos sobreditos Programas (PPRA e PCMSO)”, finaliza o presidente da Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO), José Manuel Gana Soto. Por isso, sugere uma nova redação do parágrafo que cite o PPRA e o PCMSO, assim como as respectivas normas - NR 9 e NR 7.

Já para os engenheiros essa é uma questão polêmica. “Deve existir a participação de outros pofissionais no levantamento e avaliação dos riscos ambientais. Quanto à responsabilidade do resultado ser do engenheiro de segurança, está de acordo com o estabelecido na descrição de sua função”, avalia o engenheiro e presidente da Abraphiset, César Mori.


Homologação

A homologação do programa de prevenção dos riscos ambientais e de doenças ocupacionais pelas SRTEs também foi vista com polêmica. “Vão virar depósitos de papel. O MTE não tem perna para isso. Como vão homologar algo que não conhecem? É uma letra morta. Não há condições disso ser atendido”, avalia Armando Henrique.

A Nota Técnica 175 do DSST também é contra a homologação por considerá-la operacionalmente inviável, devido ao “insuficiente aparato material e humano das unidades”. Também aponta que analisar apenas documentos não permite verificar a efetividade dos programas e que a verificação física de todos locais de trabalho é impossível. “Acho que isto deveria ter sido melhor discutido com o DSST e com as Superintendências, pois, na minha modesta opinião, quem homologa passa a aceitar como verdade tudo o que está escrito no documento e se torna subsidiariamente responsável por ele.

Particularmente eu não me sentiria em condições de ‘homologar’ um documento cuja elaboração não participei, por mais competente que fosse o profissional que o elaborou”, reflete o auditor fiscal atuante há 25 anos na SRTE/MG, Mário Parreiras de Faria.
Fonte: Revista Proteção, Ed 214

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