NOVO CÓDIGO CIVIL
A responsabilidade civil da empresa por acidentes de trabalho ou doenças dele resultantes, que sempre gerou confusão, tem dúvidas aumentadas agora, com o novo Código Civil.
No regime anterior, não era raro ouvir-se a afirmação de que o empregador seria responsável pelos prejuízos causados aos trabalhadores por conta de acidentes de trabalho ainda que não incorresse em culpa. É que, em grande parte das obras de direito civil, um dos exemplos cogitados para demonstrar as hipóteses de responsabilidade objetiva costumava ser os casos resultantes de acidentes de trabalho. E então, a partir destes exemplos, não raras vezes afirmava-se que a responsabilidade do empregador seria objetiva relativamente a tal questão.
Tudo isso, porém, resultava de uma confusão conceitual e didática. É verdade que o empregado vitimado sempre teve condições de exigir alguma compensação independentemente de discutir as causas do acidente e a culpa. Não menos verdadeiro, entretanto, é que tal compensação sempre ficou a cargo da Previdência Social, até porque as empresas recolhem, mensalmente, uma contribuição social (SAT) exatamente para custear tal benefício previdenciário. Ou seja: independentemente da culpa pelo acidente, a Previdência Social tem a obrigação de pagar ao empregado segurado os benefícios previstos na legislação correspondente.
Esta responsabilidade da Previdência Social não afasta o dever de indenizar da empresa. Dito dever, no entanto, somente existe quando o empregador houver incorrido em dolo ou culpa, sendo certo que esta afirmação encontra respaldo no texto constitucional, uma vez que o art. 7º da C.F., que arrola os direitos sociais dos trabalhadores, garante o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (inciso XXVIII).
Frise-se que foi justamente por conta de tal preceito constitucional que a Súmula nº 229 do STF restou superada. Antes da vigência da Constituição de 1988, a responsabilidade do empregador por acidentes de trabalho, embora existisse de forma independente, ficava circunscrita às hipóteses em que o empregado pudesse provar a existência de dolo ou culpa grave do empregador.
O panorama a respeito do tema, então, até o advento do novo Código Civil, apontava para a responsabilidade subjetiva do empregador por acidentes de trabalho ou doenças dele resultantes (LER e perda auditiva, por exemplo), sendo certo que, a partir de 1988, não mais era preciso comprovar a gravidade da culpa do empregador para que se impusesse o dever de indenizar.
Assim estabelecido o cenário em torno da responsabilidade civil por acidentes de trabalho até janeiro deste ano, resta analisar se o novo Código Civil trouxe ou não alguma modificação no núcleo central da matéria. E a discussão mostra-se relevante porque a nova codificação, no que respeita à responsabilidade civil em geral, introduziu importante modificação na disciplina do tema, na medida em que, embora mantendo a culpa (ato ilícito) como o pressuposto genérico da responsabilidade civil, admitiu expressamente mais uma situação em que a responsabilidade será objetiva.
Por conta disso, ao lado das hipóteses tradicionais de responsabilidade sem culpa previstas na legislação, o parágrafo único do art. 927 assentou a existência da obrigação de objetivamente reparar o prejuízo "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". É possível afirmar, assim, que o sistema jurídico passou a admitir, expressamente, a aplicação da conhecida Teoria do Risco.
Em que pese esta previsão normativa, é conveniente frisar que a específica hipótese de indenização por acidente ou doença do trabalho não se subsume à Teoria do Risco. E a razão para tanto é muito simples: a existência de norma expressa na Constituição Federal que condiciona a responsabilidade do empregador à hipótese de prova, pelo empregado, da existência de dolo ou culpa.
Logo, se é a própria Constituição que limita, de forma clara, o âmbito da responsabilidade do empregador, soa inquestionável que o fato de uma lei ordinária, tal como o Código Civil, instituir o dever de indenizar para as genéricas hipóteses de risco não é suficiente para tornar objetiva a responsabilidade do empregador nestas situações. Em conseqüência, resta concluir que, relativamente à responsabilidade por acidente ou doença do trabalho, o panorama continua exatamente o mesmo do período anterior ao dia 11 de janeiro de 2003.
(Colaboração: CARLOS ALBERTO HAUER DE OLIVEIRA, G. A. Hauer & Advogados Associados)
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